domingo, outubro 23, 2005

VOX POPULI

Acabo de chegar em casa. Fui votar nesse referendo estranho. Alguém se lembra de outro referendo? Eu lembro do plebiscito em 1992. Mas referendo, não. Muito menos de um “referendo” estranho assim.
Mas eu não vou entrar no tema da venda ou não de armas de fogo no Brasil. Trata-se de uma postura ideológica de cada individuo. Eu tenho a minha. Não quero convencer ninguém. Na verdade o que me deixa inquieto nessa história toda (além dos R$500.000.000,00 gastos na organização da votação) é o momento em que isso acontece. Sabemos que não foi um subterfúgio político, uma cortina de fumaça, afinal esse referendo já estava marcado desde o governo Fernando Henrique. Mas mesmo assim fica a insossa sensação de inutilidade.
O governo do PT foi uma “broxada” sem precedentes para o povo brasileiro, para a política brasileira, enfim, pra tudo que foi, é, ou um dia venha a ser brasileiro. E no meio deste coito-interrompido somos convocados a participar de um referendo. Juro que saí de casa sem o menor tesão pra votar. O PT matou minha confiança na democracia representativa (essa em que vivemos e na qual representantes – deputados e senadores – representam (sic) a vox populi. Preciso de um Viagra político. Some-se a isso uma overdose de José Saramago que tive dias antes do dito referendo (e ele não acredita em nosso modelo de democracia, mesmo!!!).
Tento explicar meu desencanto. Vimos que a representação do povo (essência abstrata do que chamamos Congresso Nacional) não existe. Vimos, graças ao Roberto Jefferson, que não existem leis possíveis contra o poder do dinheiro (e Napoleão já havia dito isso há quase duzentos anos). Seja por motivos culturais que impedem o engajamento político, seja por apatia depressiva coletiva do povo, seja por traumas políticos da época da ditadura, sei lá, sabemos que não há no Brasil clima para discussão política profunda. Além do que, caso houvesse, teríamos um exemplo de anti-democracia, afinal mais da metade do povo não entenderia o que se estaria a falar. Enfim, mataram meu espírito democrático. De todos os modelos de governo que a humanidade já experimentou, a democracia – ditadura da maioria – é o que está menos apto a nos frustrar. O homo sapiens pos-moderno ocidental já carrega em si a essência do senso de igualdade, base da democracia juntamente com sua essência ontológica. Contudo, o mecanismo pelo qual essa democracia é exercida não agrada. Primeiro porque continuamos com a sensação de que as normas nos são impostas desde cima, enquanto a democracia deveria induzir um processo de discussão e criação de normas desde a sociedade, ou seja, desde baixo. Segundo, por que não nos sentimos representados. Acreditar que a discussão política dentro dos Parlamentos é feita sem propinas é acreditar em conto da carochinha. E a culpa neste ponto não é só dos políticos eleitos, mas também de uma educação ridícula que não ensina a um adolescente os mecanismos políticos de seu Pais, de seu Estado e de sua Cidade e que a sociedade não cobra. Acho que estou entrando numa fase anarquista.
Peço desculpas pela aspereza de minha palavras nesta tarde ensolarada de domingo. Acontece que o desencanto veio com força. Agora só quero curtir o barulho do passarinho cantando em baixo de minha janela.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Agradecimento ao acaso.

Escrever é, antes de tudo, um ato de coragem. Ou de uma possível ousadia. Não sei ao certo a diferença entre esses dois adjetivos. A ousadia me parece mais indicada posto que a coragem acaba por soar carregada de uma presunção exagerada. Digo isto porque passei cerca de 3 meses distante deste lugar (como é estranho chamar de lugar algo virtual!!!) e se me perguntasse o motivo dessa ausência, talvez não pudesse responder. Não sei se estava calado por não ter o que dizer, ou por um medo, um receio da possível inutilidade de minhas palavras. Vejam só. Estou calando pelo medo da inutilidade de minhas palavras. Uma covardia que muitos insistem em chamar de pragmatismo.
Creio ter recebido pela primeira vez em meus escritos (tão raros ultimamente) um comentário de um(a) desconhecido(a). Tentei acessar a página de minha testemunha (prefiro chamar os leitores de testemunhas) mas apareceu a já infame mensagem de erro da Internet...Contudo percebi que voltei a escrever hoje em conseqüência desse contato inesperado com alguém que nem ao menos sei se é real. É de uma estranheza mais que bizarra a solidão causada pela sensação de que não nos comunicamos, todos nós. Ao mesmo tempo a reciprocidade afaga a alma. Impulsiona. Alimenta. Obrigado desconhecido(a) por não ter cedido ao seu pragmatismo e por ter deixado uma mensagem, uma manifestação!!! Este texto é em sua homenagem.
Lembro-me de meu primeiro texto postado na Internet. Já faz mais de um ano. Quando percebi a possibilidade de me comunicar com o mundo sem precisar invadir uma estação de TV fui acometido por um entusiasmo sem precedentes em minha, até então, breve existência. Sentei-me ao computador de madrugada (como sempre) e deixei a alma fluir. Como fosse uma primeira sessão de análise onde não se conhece o terapeuta disse pouco, receoso de minha já sabida inconsistência. Vê-se hoje um texto cheio de esperanças na busca, não por uma audiência, mas por um interlocutor, ainda que proveniente do acaso, encontrado graças a uma eventual sincronicidade metafísica inescapável. Mas já retirei o texto do blog. Não adianta procurar.
Percebo, também, que quando começo a escrever um texto não sei como o mesmo vai terminar. Nem mesmo se vai terminar, se vai ter um fim. Acho que comecei esse aqui para agradecer a minha primeira testemunha. Depois de meses de desinteresse pela minha própria opinião volto a falar porque alguém me ouviu. E não só isso. Disse a mim que me ouviu. Isso foi o mais importante. Afinal, o mundo em que vivemos, o mundo do homo Laborans, regido pelo tempo e pelo pragmatismo, pelo remédio imediato, pela objetividade absoluta, castradora da criatividade, esse mundo nos possibilita a todos a visão completa do mundo, o tempo todo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, mas a nossa pressa impede que nos apresentemos aos nossos interlocutores. Não dizemos: “Ei!! Eu tô te ouvindo!!!!” Não devolvemos uma interpretação da informação ao emissor. Estamos matando os diálogos e vivendo em um grande monólogo coletivo.
Por isso resolvi escrever esse agradecimento em forma de texto. E também para tentar dizer que de nada adiantará recebermos todas as informações do mundo em nossas casas, dentro de nossos computadores se não as sentirmos, numa troca íntima de opiniões. Não deixemos a verdade existir sem que possamos palpitar um pouco nela.
Até breve.