sexta-feira, abril 08, 2011

A RACIONALIZAÇÃO DO IMPONDERÁVEL E O HUMANO ABOMINÁVEL

É bem provável que os corpos das crianças ainda estivessem quentes quando os primeiros especialistas em tragédias inimagináveis chegaram às redações das emissoras de TV. Vinham de todas as áreas e traziam argumentos científicos. De empecilho, apenas o fato de se contradizerem. Enquanto o Brasil via estarrecido o desespero das famílias na porta da escola, técnicos em segurança já indicavam a instalação de detectores de metal nos colégios e universidades de todo país. Ao mesmo tempo pedagogos e psicólogos apontavam o dedo para o bullying, explicando a origem do mal que viera à tona no início daquela manhã. Especialistas da fé buscavam isentar a explicação religiosa do mundo de qualquer culpa ao mesmo tempo em que psiquiatras traçavam o perfil psicótico do homem que não parecia humano.


Mas a sensação de impotência não arredava o pé. Homens da igreja viram o incompreensível realizado em nome da crença, enquanto os defensores da pena de morte apenas se calavam: a morte foi, segundo o sentimento de muitos, pouco para o assassino que deveria – este sim – ter sido mantido vivo para sofrer uma vingança eterna dos parentes, amigos e do país inteiro. Duro paradoxo este em que se percebe que uma vida de sofrimento eterno – até com águias lhe comendo o fígado “para todo o sempre” - seria punição pequena.


Percebeu-se então o abandono: abandono da razão, que não conseguia absorver e explicar o que ocorrera. Abandono de Deus, que, como se houvesse trocado de lado, era usado de argumento de purificação do mundo pelo louco-esquizofrênico-religioso. Abandono de nossos próprios poderes, uma vez que nem a maior de todas as penas poderia compensar ou vingar o ocorrido. Abandono até da humanidade, que se mostrara capaz de tamanha repugnância em relação à própria condição humana. A tragédia se fez assim: incompreensível, ininteligível, inaceitável, imperdoável, configurando como poucas vezes na história do país abençoado por Deus e bonito por natureza, o abominável enquanto elemento possível do bicho homem.


A resignação, em situações assim, se mostra a única e dolorosa saída. Uma postura altiva de luto como forma de expiação e compreensão de nosso próprio abandono, aqui, nesse planetinha. Afinal, pudemos notar que nossa ciência não preverá nem explicará a insanidade. Que nossa ilusão de segurança não nos protege de nós mesmos. Que nossos deuses, às vezes, nos viram as costas. Que nossas vinganças podem ser insuficientes. E que, principalmente, nossa mente pode ser a mais estarrecedora de todas as coisas no mundo. Vimos que o homem pode ser bicho e monstro, mesmo que desejemos dele a santidade.


A mais completa definição de tragédia.