quarta-feira, julho 20, 2011

6.999.999.999

No dia 31 de outubro de 2011 – segundo a maioria das previsões demográficas - nascerá um bebê, em algum lugar do mundo, que será o sétimo bilionésimo ser humano vivo no planeta. Não sabemos seu nome, nem mesmo o país em que nascerá, mas há 70% de probabilidade dessa criança vir ao mundo em um país pobre, e com baixos índices sociais e expectativa de vida. A chegada de nosso colega de número sete bilhões, contudo, em si não diz muito, sendo na verdade apenas um marco simbólico: não pensamos todos os dias de manhã que naquele mesmíssimo dia 218 mil pessoas a mais dormirão em suas casas (ocas, barracos, pontes e sarjetas) em todo o planeta (taxa de crescimento diário). O incremento quantitativo da população não é facilmente percebido pela humanidade, sendo constatável muito mais pela confusão na plataforma do metrô do que pelo aumento do preço do trigo. Nossos sistemas de organização (jurídico, político) não assimilam muito facilmente as conseqüências do aumento da população, muito embora as conseqüências sociais existam e tenham impacto relevante, ainda mais em países ou áreas pobres e com baixo desenvolvimento social.

Há, entretanto, um problema: falar sobre os problemas do crescimento vertiginoso da população mundial nos últimos tempos (de três bilhões em 1950 para sete bilhões em 2011) parece muitas vezes mais feio do que bater na própria mãe. É como se tocar nesse tema pudesse acordar certos monstros: legalização do aborto, controle da natalidade e até critérios econômicos para a reprodução responsável (algo como uma eugenia dos ricos). De fato, algumas coisas podem parecer terríveis, como condicionar o direito à reprodução ao preenchimento de certos critérios econômicos objetivos. Mas, em contrapartida, não podemos esquecer que considerar o matrimônio como condição para a procriação (como faz a Igreja de Roma) é algo muito semelhante.

Muito foram os homens que, ao longo dos séculos, manifestaram-se sobre os riscos da superpopulação. O mais famoso deles foi Malthus, um economista e pastor britânico que afirmava que a população sempre aumenta mais rápido do que a produção de alimentos, o que gera inevitavelmente fome em larga escala (pra não dizer uma considerável inflação no preço das commodities). Mas a subpopulação também já foi um problema econômico-filosófico: basta lembrarmos o fato de a “família” ter sido durante milênios a organização humana produtora de gêneros por excelência, tendo se tornado nos últimos quatro séculos cada vez mais um núcleo humano de consumo. Essa mudança radical no papel da família, além de modificar o ethos (espécie de síntese de costumes e valores de um determinado povo), também pode ser vista como uma das responsáveis pela gradual aceitação de casais homoafetivos como núcleos familiares, independentemente da capacidade reprodutiva.

Para exteriorizar minha opinião sobre o tema, valho-me da arte, pois acredito que não se possa ter uma opinião definitiva sobre o tema justamente pelo fato de a interpretação das conseqüências da expansão populacional não serem óbvias e dependerem do contexto histórico e tecnológico. Visitei no dia 05 de julho a exposição “6 bilhões de outros”no MASP (www.6milliardsdautres.org/index.php). O trabalho era composto por cerca de cinco mil entrevistas realizadas em 76 países diferentes, nas quais pessoas comuns respondiam a questões fundamentais para a humanidade como “qual sua primeira lembrança?”, “você se sente livre?” e “você tem alguma mensagem para os outros 6 bilhões de humanos?”. E podia-se ver ali uma infinidade de respostas, das mais singelas às mais profundamente elaboradas. Mas em todos os casos – do pescador brasileiro ao agricultor afegão, passando pelo executivo de Wall Street – os homens e mulheres que ali estavam eram únicos e maravilhosos. Isso mostrou para mim que, ao contrário das outras coisas, o ser humano não segue o caminho de uma moeda desvalorizada pela inflação: nós não perdemos nosso valor intrínseco pelo simples fato de haver muitos de nós. Essa constatação – a da divina singularidade do homem – acaba me impedindo de assumir posições radiais. Desta vez, eu fico em cima do muro, muito embora, racionalmente, sete bilhões seja um número absurdo.