segunda-feira, setembro 26, 2011

O pré-sal, a União e a força centrífuga…

            Conforme tradição consolidada, todo mês de janeiro o Presidente dos Estados Unidos realiza um pronunciamento diante das duas casas do Congresso americano – representantes e senadores – reunidas em sessão conjunta. Sua fala versa sobre o que os americanos convencionaram chamar de “estado da União”. Trata-se de um ato de deferência do Poder Executivo ao Legislativo, inequivocamente seu “chefe” nos países democráticos. Porém, mais do que isso, o discurso sobre o estado da União americana deixa bem claro a todos que a federação é uma “união voluntária de Estados” que já foram independentes (as chamadas 13 colônias que se tornaram 13 países e se uniram em um só por questões de segurança, como fazer frente ao Império Britânico da época). Essa reunião de estados cria outro ente, distinto das partes, ao qual se convencionou chamar de União. Logo, a reunião dos estados existentes anteriormente deve ser benéfica para todos, para que se mantenha o interesse – do todo e das partes – em permanecerem no mesmo barco. E é a conjuntura disso que o presidente informa ao Congresso todo começo de ano.

            Pode-se dizer que os Estados Unidos foram a primeira nação inventada. Calcados em ideais iluministas, os pais fundadores norte-americanos elaboraram um conceito de nação que pretendia ter bases racionais e ser desprovido de famílias com poderes dinásticos. Isso fazia com que, ao negar a autoridade hereditária e a tradição como fundamento jurídico do poder político, eles se abrissem ao futuro, assumindo a responsabilidade da produção democrática do Direito e a legitimidade de sua unidade.

            Ao olharmos hoje para a Europa o que se vê é um continente frustrado por não ter conseguido se livrar do peso do seu passado, afinal foi justamente o fardo da história – e das tradições de rivalidades seculares entre vizinhos – que impediu anos atrás um aprofundamento da União Européia: tentaram ser como os americanos, mas a força centrífuga da tradição não deixou. E a União de verdade ficou só no plano monetário. Os países europeus acreditaram que a manutenção de suas independências seria mais benéfica do que uma eventual união. E de certa forma é isso o que se percebe quando o governo alemão faz cara feia ao ter que sustentar o peso da inconsistência fiscal e o baixo desenvolvimento econômico de países como Portugal e Grécia: “não pagarei pelo seu despreparo”, o que implica dizer, “não tenho responsabilidade pelos seus atos e seu destino”.

            Por aqui no Brasil, ao que tudo indica, vamos bem, obrigado. Somos um país forte e coeso. Falamos a mesma língua (o que não quer dizer nada, uma vez que a Europa tem quinze línguas e já tem moeda única, e nossos vizinhos sul-americanos falam espanhol e não se bicam muito, como Peru e Chile) e não temos grupos que reivindiquem soberania dentro do território nacional. Contudo, recentemente o tema da distribuição dos royalties do petróleo do pré-sal vem pondo na ordem do dia a discussão: qual o sacrifício que estamos dispostos a fazer para ficarmos todos juntinhos, sob a mesma bandeira e nos tornarmos cada vez mais unidos. Afinal, ainda que não pareça, somos uma Federação. Esquisita e centralizadora, mas, ainda assim, uma Federação. E somos um país continental que – segundo demonstra a história – apenas se manteve unido graças a Napoleão Bonaparte (que fez os reis portugueses saírem correndo da Europa em direção ao Rio), e por José Bonifácio de Andrada e Silva, que convenceu D. Pedro I a proclamar a independência e deixar o Brasil amarrado a um governo central forte, impedindo assim a fragmentação.

            Todos os interesses e peculiaridades regionais se mostram de forma nua e crua quando se discute quem se beneficiará com os lucros da exploração do petróleo (a tal força centrífuga...). A atual divisão dos royalties não considera os estados e municípios não produtores. Contudo, com a efetiva exploração do pré-sal, e os lucros exorbitantes previstos, as vantagens econômicas desses entes da federação poderiam criar desigualdades substanciais de riqueza e qualidade de vida entre os estados e as regiões de nosso país, o que já é, por si só, um elemento desagregador em total desacordo com os objetivos da República, apontados no artigo 3º, III, da Constituição Federal. Como se vê, o tema do equilíbrio da União – ou seja, o estado da nossa União – é pouco explorado e discutido.
            Que tal se a grande imprensa ensinasse a população a discutir o futuro do país?

quinta-feira, setembro 08, 2011

Tempos imprevisíveis.

                O homem é um animal ordenador: atribui significado àquilo que encontra em seu caminho. Cria explicações científicas e religiosas do mundo ao seu redor, fazendo com que a realidade que o circunda seja parte de uma ‘explicação’ do todo. Tal afirmação, já indiretamente apontada pelo filósofo inglês David Hume no século XVI, embora bastante genérica, serve para analisarmos essa capacidade magnífica do homem: observar os eventos históricos e deles extrair as possíveis relações de causa e efeito que lapidaram a longa aventura até aqui experimentada pela humanidade. Mas de qualquer forma, não se pode dizer que esse traço do ser humano sempre possa ser exercitado com sucesso. Isso porque relações de causa e efeito são facilmente perceptíveis apenas nas ciências duras, como a física newtoniana. Já os estudiosos das ciências humanas e sociais dificilmente conseguem valer-se de um experimento comprobatório de suas teorias, o que faz com que elas permaneçam como hipóteses.

                Quando na manhã de 11 de setembro de 2001 a humanidade percebeu que estava diante de algo até então inconcebível, todos ficamos paralisados. E isso justamente porque não conseguíamos compreender as conexões que haviam sido determinantes para tamanha atrocidade. E muito menos podíamos prever – por total falta de repertório – o que ocorreria daquele momento em diante: o caos se havia instalado no mundo e nada mais seria facilmente compreendido. As ilusórias relações de causa e efeito tinha ido para o bebeléu.

Com a proximidade do aniversário de 10 anos dos ataques à cidade de Nova Iorque a tendência natural é a de que façamos uma retrospectiva, não do atentado em si, mas dos seus efeitos, para o mundo e para os Estados Unidos, nos mais variados aspectos das relações humanas, sociais e políticas. Somente buscando compreender o mosaico de crises e tensões verificáveis no mundo contemporâneo é que poderemos inferir quais parcelas de nosso conturbado mundo atual podem ser atribuídas, direta ou indiretamente, aos homens que pilotaram aqueles aviões. Muitas vezes ignoramos, contudo, que um dos mais atrativos temas para a mídia global nos dias de hoje pode ter relação direta com a Al Qaeda: a economia.

Explico-me. Quando os especialistas em economia (dentre os quais pode-se citar Joseph Stiglitz, George Soros, entre outros, relatados pelo jornalista espanhol Antonio Navalón) olham em retrospectiva os acontecimentos imediatos após o 11 de setembro, muitos traçam uma conexão um tanto quanto inusitada, que envolve o grau de incerteza que pairou sobre Wall Street naquela semana. Entre 11 e 15 de setembro de 2001, a Bolsa de Valores de Nova Iorque permaneceu fechada por motivos óbvios: ninguém sabia se a estrutura do edifício, situado a poucas quadras das torres, agüentaria tão devastador impacto. Ocorre que tampouco se sabia como o próprio mercado financeiro reagiria – economicamente - àquela amostra grátis do Apocalipse. A solução proposta pelo Banco Central então foi a de baixar de maneira drástica a taxa de juros nos Estados Unidos. Com tal medida se pretendia, por um lado, mandar um sinal de esperança ao mercado e ao povo e, por outro, favorecer o investimento. Com essa atitude, provavelmente pela primeira vez na história dos Estados Unidos, o custo do dinheiro, uma vez descontada a inflação, tinha um valor negativo. E aí começou a festa... Era melhor gastar dinheiro do que poupá-lo, acumulá-lo. Mas a gastança, que devia ter sido uma medida temporária de estímulo, acabou virando algo permanente. E tais taxas de juros induziram a tentação de emprestar dinheiro àqueles que no sistema de juros pré-11/09 jamais receberiam crédito em virtude de seu baixo poder aquisitivo e histórico de inadimplência. E assim a engrenagem foi se elaborando com manobras para uma aparente diluição do risco de tais empréstimos, criando a receita da bolha que estourou em 2008. Trata-se, como se percebe, de uma explicação inusitada e até simplória que ignora a história da prévia desregulamentação dos mercados, mas, ainda assim, é uma análise curiosa.

                É possível suspeitar que os terroristas imaginassem que os ataques teriam efeitos psicológicos na população americana e até na geopolítica internacional. É, contudo, muito improvável – senão realmente impossível – que os mentores dos atentados supusessem que suas conseqüências chegariam ao mercado financeiro e creditício internacional. Isso, em vez de refutar, acaba comprovando que a teoria do caos pode ser aplicada aos nossos tempos: nunca podemos medir, com total eficiência, a amplitude de conseqüências que terão nossas ações ou omissões. E junto com todas as certezas, evapora-se nossa pretensa ilusão matemática de causa e conseqüência. Sinal dos tempos!