sexta-feira, agosto 14, 2009

Humanitas est...

O que faz com que alguns seres humanos insistam em viver, enquanto outros se contentam em existir? Por mais tendenciosa que a questão seja, não se pode deixá-la em silêncio.

Inevitável voltar às questões surgidas no ultimo post. Se tenho alguns argumentos em meu acanhado repertório até aqui angariado, sinto que é momento de dividi-los. E no começo (vez que o começo é sempre imprescindível, ainda que tendencioso) faço uso de Aldous Huxley. Lembrei-me do dialogo em que John, o selvagem, interpela (ou é interpelado) pelo chefe, Mustafá Mond. Nesta passagem, o selvagem, após ouvir as inúmeras qualidades e vantagens do mundo criado pelos e para os alphas, afirma: “eu quero sofrer!!!”.

Pergunto: Haveria, ou ao menos persistiria, a condição humana se estivéssemos desprovidos do sofrimento. Se estivéssemos totalmente protegidos, controlados e tutelados por uma superestrutura (cacoetes marxistas!) que nos impedisse de desobedecer e, conseqüentemente, de sofrer e de existir. Haveria o homem, o Don Quixote, o Bardo Shakespeariano, a Verônica de Paulo Coelho, ou o Santo Cristo de Renato Russo? Brecht, Becket, Tenesse Willians, Freud e Hanna Arendt?

Se me é facultado dividir uma impressão, é a de que duas coisas definem o humano: a dor e a incompletude. A dor é a conseqüência inevitável de nossa finitude, de nossa não-onisciência e da relação do homem com o imponderável. E é essa mescla com o imponderável que nos faz humanos. Portanto, a tentativa do controle não nos retira a angústia. Apenas gera a opressão. Jamais satisfação, desejo humano irmão da fome.

A confusão deste escrito não é intencional, não sendo todavia algo que me considero capaz de evitar. É fruto da mesma angústia (desejada e deliciosamente sorvida) de minha condição humana. E para completar a confusão, lanço mão de Chico Buarque.

“Como beberDessa bebida amarga

Tragar a dorEngolir a labuta

Mesmo calada a bocaResta o peito

Silêncio na cidadeNão se escuta

De que me valeSer filho da santa

Melhor seriaSer filho da outra

Outra realidadeMenos morta

Tanta mentiraTanta força bruta...

Como é difícilAcordar calado

Se na calada da noiteEu me dano

Quero lançarUm grito desumano

Que é uma maneiraDe ser escutado

Esse silêncio todo Me atordoa

Atordoado Eu permaneço atento

Na arquibancada Prá a qualquer momento

Ver emergir O monstro da lagoa...

De muito gorda A porca já não anda

De muito usada A faca já não corta

Como é difícil Pai, abrir a porta

Essa palavra Presa na garganta

Esse pileque Homérico no mundo

De que adianta Ter boa vontade

Mesmo calado o peito Resta a cuca

Dos bêbados Do centro da cidade...

Talvez o mundo Não seja pequeno

Nem seja a vida Um fato consumado

Quero inventar O meu próprio pecado

Quero morrer Do meu próprio veneno

Quero perder de vez Tua cabeça

Minha cabeça Perder teu juízo

Quero cheirar fumaça De óleo diesel

Me embriagar Até que alguém me esqueça”

Esta, talvez, nossa síntese tupiniquim. E com méritos!