domingo, julho 31, 2011

Mais lições de uma ilha gelada

Em meados de outubro do ano passado, quando nos aproximávamos do primeiro turno das eleições, comentei neste mesmo espaço o fato de a população da capital da Islândia, Reykjavík, ter elegido um palhaço para o cargo de prefeito. Tal notícia, naquele momento, era bastante curiosa, afinal apontava um paralelo ao fato de nosso atual deputado Tiririca estar então na liderança das pesquisas. Tiririca foi eleito, e a vida do país seguiu, bem ou mal, como tinha de ser. Ocorre que mesmo antes do pleito eleitoral brasileiro do ano passado, a população islandesa já havia sido notícia, e justamente por não ser muito ortodoxa em suas visões políticas. Explico: para quem não sabe, a Islândia foi o primeiro país a ter sua economia arruinada pela crise financeira de 2008 (a quem se interessar, recomendo o ótimo documentário “Trabalho interno”, vencedor do Oscar de 2011).

Quando chegou a hora de injetar dinheiro público nos bancos para manter a liquidez do sistema financeiro, o povo islandês chamou para si tal responsabilidade, exigindo para tanto um plebiscito. Resultado: o “não” ganhou. Os bancos quebraram e a população assumiu a decisão segundo a qual não seria admitido que bancos - que lucram de forma privada - socializassem seus prejuízos quando a corda lhes fosse lançada ao pescoço. Tais bancos islandeses foram obrigados a dar um calote e o dominó financeiro mundial começou a tombar, vindo dar como marolinha nestas paragens.

Na semana passada foi divulgada a última notícia da ilha das consoantes. A inusitada democracia islandesa está agora utilizando o Facebook para consultar seus cidadãos e recolher opiniões e sugestões para a nova Constituição do país, que está sendo escrita e que irá substituir a atualmente em vigor, redigida em 1944. Convocada após a quebra do país em 2008, a Assembléia Constituinte pretende dotar o país de uma Carta Política que efetivamente reflita o pensamento da população, e para tanto faz uso da internet, sempre exigindo que quem opine se identifique e argumente em defesa de seu ponto de vista.

Como se pode perceber, o exemplo islandês nos traz lições. Em primeiro lugar mostra que a idéia de democracia que hoje é exaltada no ocidente pode ser muito mais aprofundada: a ilusão de que somente apertar os botõezinhos da urna eletrônica de dois em dois anos pode mudar algo é doce. Esse sistema de democracia meramente representativa apenas troca os atores de uma peça teatral que já tem seu roteiro estabelecido, e cujos diretores obviamente não se apresentam às eleições. Num segundo plano, deixa claro que a internet, contrariamente ao que dizem muitos esquerdistas de plantão, não precisa ser necessariamente uma ferramenta de dominação e alienação das pessoas, especialmente dos jovens (muito embora possa sê-lo em uma sociedade incauta e ignorante).

A rede pode sim ser usada em benefício da discussão saudável e responsável. Mas ainda, e principalmente, a Islândia nos mostra, uma vez mais, todo o potencial de uma sociedade em que 99% da população é alfabetizada, e que se consolida como a menos desigual do mundo. Apesar dos pesares econômicos, mais de 2/3 da população da Islândia vai poder participar da redação da nova Constituição, já que esse é o percentual de pessoas com acesso 24 horas à internet.

E acima de tudo, uma população que deixa claro que, sem abrir mão do capitalismo e da meritocracia, é possível radicalizar a experiência democrática, colocando a economia no seu devido lugar.