quinta-feira, janeiro 05, 2006

As liberdades civis sob vigilância

Após os atentados de 11 de setembro de 2001 muita coisa mudou no mundo. Disso sabemos. Minutos após o impacto do primeiro avião na torre o inconsciente coletivo mundial já sabia que nosso planeta estava passando por um momento daqueles que dividem eras, como foi a Queda da Bastilha ou a Tomada de Constantinopla pelos Otomanos. São momentos aos quais a história se encarrega de dar títulos e alcunhas e que separam o antes do depois. Quando ainda hoje abrimos os jornais podemos sentir pipocando aqui e ali reflexos daqueles 102 minutos: a inflação que não cede influenciada pelo preço do petróleo, homens bomba se explodindo nos arredores de Bagdá, Saddam Hussein virando-se para Meca e fazendo suas preces no meio de seu julgamento, a falácia do sucesso do governo pró-EUA no Afeganistão, enfim, uma reação em cadeia que aos mais desavisados pode parecer desprovida de significado histórico. Pois nesta semana duas novas noticias que podem ser compreendidas como novas pedras caídas desse dominó infinito chegaram às redações das agências de noticias internacionais e induziram, senão novos questionamentos – porque ninguém agüenta mais questionar nada – ao menos um reforço das conclusões que os mais atentos vêm tendo desde aquela manhã em 2001.
A primeira noticia foi o vazamento da informação de que o presidente americano Bush havia dado ordens para que a NSA – National Security Agency – espionasse cidadãos americanos utilizando-se de meios eletrônicos como escutas telefônicas e vigilância eletrônica de e-mails. Segundo algumas fontes, informaram jornais americanos como o New York Times, o grau da espionagem teria atingido níveis orwellianos, chegando-se a vigilância de palavras chave em e-mails, fonemas ditos ao telefone e até mesmo registro de retiradas de livros em bibliotecas e o tráfego na Internet monitorado através da visita a alguns sites padrão (quem não viu, alugue “Teoria da Conspiração”, filme de 1997 estrelado por Mel Gibson e Julia Roberts, e saberá do que estou falando). Como era de se esperar o presidente Bush correu em afirmar que, havia dado sim a ordem para observações remotas, mas estas se destinariam somente a pessoas com notório envolvimento com a Al-Qaeda, visando a prevenção de atividades terroristas. Em conseqüência, e provavelmente por medo da contaminação pelos péssimos índices de popularidade do presidente Bush, o Senado americano reprovou a reedição do Patriotic Act, medida de restrição de direitos civis adotada após os atentados e que visavam evitar novos ataques em solo americano. No discurso da maioria vencedora estava presente a afirmação de que o ato acertava em cheio o núcleo da sociedade americana, atingindo a todos os cidadãos em seus direitos e liberdades civis.
A outra noticia que ameaça por em xeque as liberdades civis veio quase que do outro lado do mundo. A Duma – câmara baixa do parlamento russo – aprovou uma lei que restringe a liberdade da organizações da sociedade civil de interesse publico, mais comumente conhecidas como ONG’s. A medida causou receios entre membros de ONG’s internacionais com participação na Rússia, principalmente pela herança de controle estatal centralizado que quinze anos de democracia não conseguiram desfazer. Além disso, o controle estatal das organizações civis deixa qualquer movimento social organizado de mãos amarradas e acaba por impedir um processo político dialético com os grupos que atualmente se encontram no poder, denotando uma nova Stalinizacao do Estado Russo, que só consegue se relacionar com a sociedade controlando-a, como um pai que não aceita ver sua prole ganhar a liberdade. Não que o controle da sociedade civil na Rússia tenha relação imediata com o 11 de setembro. O que acontece é que uma das razoes dadas pelo governo russo é também o controle de grupos que pudessem ter relações com terroristas, no caso deles, os da Chechênia.
Esses movimentos, aliados as restrições civis na França após as revoltas das periferias, denotam um momento de frustração velada da sociedade organizada nos moldes ocidentais. O fim da guerra fria parecia ter trazido uma era de liberdade, afastando o fantasma nuclear, e anunciando uma paz universal duradoura. Tudo foi assim até aquele 11 de setembro. Em verdade, o “instante” entre a queda do muro de Berlin e o 11 de setembro de 2001 já trazia mesclado aos idéias de paz eterna um tremendo mal estar que ninguém sabia explicar de onde vinha. Hoje já sabemos que uma sociedade civil realmente livre da observação do Estado é conto da carochinha. Ainda mais com a tecnologia que reduziu os custos de vigilância ao extremo. E a falta de inimigos claros sempre induz a criação de inimigos imaginários, o que pode levar nossa sociedade a um estado de esquizofrenia coletiva bastante curioso. É nesse clima de Big Brother que desejo aos meus parcos mas fiéis leitores um ano novo cheio de idéias e coragem para realizá-las, sempre levando estampado no rosto um sorriso pois, afinal, estamos todos sendo filmados...