quarta-feira, dezembro 14, 2011

Primeiro como tragédia, depois como farsa.

                 Logo após a mídia nacional noticiar a fundação do PSD, o idealizador da legenda, Gilberto Kassab, em entrevista na Rede Bandeirantes, afirmou ser plataforma do novo partido a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte desvinculada do Poder Legislativo. Houve, inevitavelmente, certo espanto por parte da comunidade jurídica. Por sua vez, semanas atrás, a Senadora Katia Abreu (PSD-TO), fez publicar na mídia artigo no qual defendia a proposta de Kassab. O que ora apresentamos é uma crítica fundamentada às intenções do PSD.

                O artigo da Senadora se inicia com uma crítica à Constituição vigente, chamada de “excessivamente detalhista”. A extensão do texto constitucional é apontada como uma falha. A minúcia e a amplitude são consideradas as causas do “envelhecimento precoce” da Constituição Federal de 1988. Além disso, o artigo alega que nosso país apenas tornar-se-á uma verdadeira potência se “flexibilizar” a Carta Magna, deixando o modelo de Constituição dirigente (que delineia metas governamentais que devem ser atingidas progressivamente) e adotando uma estrutura mais “enxuta” e liberal. Por fim, afirma em tom ameaçador: “Por que esperar por uma ruptura ou um desastre para fazer o que é preciso? Por que não fazer isso em tempos de paz?”.

                Ainda que sob ameaça de “ruptura institucional”, é preciso apresentar aqui algumas considerações. Em primeiro lugar, nossa Constituição Federal já traz em si regras para sua alteração. Com exceção do núcleo duro (as chamadas clausulas pétreas), ela pode ser modificada, desde que se atinja o quorum e a maioria necessária. O próprio fato de nossa Constituição ter sido emendada 67 vezes é uma prova de que o sistema não é imutável. Além disso, é preciso que se compreenda que é justamente a necessidade de uma maioria qualificada para sua alteração que faz com que uma Constituição seja...uma Constituição. Basta isso para perceber que toda e qualquer proposta de modificação oblíqua poderia ser compreendida como “golpe branco”.

                Outro ponto de nossa atual estrutura duramente criticado pela Senadora é o fato de o STF, até o presente momento, ter dado provimento a 757 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (aquelas Ações que declaram que uma determinada lei é inconstitucional), fato que seria um sinal da baixa operacionalidade do sistema, decorrente da já mencionada extensão da Constituição. Com o devido respeito, contudo, não estaria aí, muito mais, um sinal da incapacidade dos legisladores? Será que os legisladores ao menos conhecem o texto constitucional? Ora, a inconstitucionalidade das leis não é culpa da Constituição, assim como o Código Civil não é o culpado por contratos que contenham cláusulas ilegais.

                Sabemos da necessidade de uma reforma política, tributária e previdenciária no Brasil. Não obstante, os caminhos para tais reformas não podem partir da exigência de uma nova Constituinte, a qual colocaria em risco as grandes conquistas da sociedade brasileira nos últimos 23 anos. Não se pode querer sempre tomar atalhos, evitando assim cumprir os pactos. E a Constituição nada mais é do que um pacto, um contrato dos vários setores da sociedade entre si. E como se sabe, “o que é combinado, não é caro”. A Constituição atual não autoriza o Congresso Nacional a transferir o poder de reforma a qualquer outra entidade. Além disso, juridicamente, uma nova Constituinte não está prevista na atual Constituição, o que faz com que a proposta seja, desde o início, inconstitucional. Igualmente inconstitucional seria a aprovação de uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional que autorizasse o Congresso a delegar um poder que não detém.        Uma Assembléia Constituinte deve surgir por pressão das forças e movimentos de massa contra a ordem jurídica vigente. Outra forma (evidentemente ilegítima) é a dos Golpes de Estado, ostensivos e evidentes ou não. Constituição é, antes de tudo, fruto de uma repactuação, um “We, the People...”

                É preciso muito cuidado quando parcelas da sociedade assumem o discurso do terror e das ameaças. Isso costuma antecipar movimentos violentos. Assim se deu legitimidade para o Estado Novo, na primeira metade do século XX. Repetiu-se a jogada em março/abril de 1964, no período mais trágico da história recente. Sem a energia popular, assim como ocorreu no Brasil no início dos anos 80, qualquer tentativa de se instaurar uma Assembléia Constituinte será ilegítima e farsesca.