segunda-feira, novembro 28, 2005

Um historia bem real.

Há algumas semanas, em meio às noticias dos corriqueiros homens-bomba no Iraque e em Brasília, fomos surpreendidos por uma série de episódios ocorridos em Paris e suas redondezas com ecos em paises vizinhos do velho mundo. Essa revolta das periferias que em muito se distancia dos episódios de maio de sessenta e oito foi noticiada mundo afora e por inúmeras vezes explicada, destrinchada e analisada. Em verdade estou atrasado ao dar minha humilde contribuição com 10 ou 15 dias de demora, mas não o havia feito antes por sentir uma sincera incapacidade de compreender tais acontecimentos. Ainda não me julgo capaz de inseri-los em alguma lógica fechada dentro da cabeça, mas algo me ocorreu ao rever um filme excelente do português Manoel de Oliveira (sinceramente, para mim, até então um desconhecido, com o perdão dos cinéfilos).
Trata-se de “Um filme falado”, produção luza que conta a historia de uma jovem mãe que viaja com sua filhinha desde Lisboa tendo como destino Bombaim, de navio atravessando todo o mediterrâneo, com o objetivo de encontrar o pai da criança no porto de destino. Utilizando-se deste enredo o diretor, através das palavras da mãe, narra dois mil anos de historia e filosofia ocidental sempre tendo como pano de fundo a grande estrada que foi esse mar, imprescindível à nossa autocompreenção histórica, desde a antiga Grécia, passando pelo Império Português e as Navegações. Com grande zelo o diretor nos guia até um estranho clímax, em que somos obrigados a ver as semelhanças do ocidente e suas distancias reais do oriente próximo. Perdoe-me o leitor que aprecie a critica cinematográfica menos explicita, mas faz-se necessária incursões mais serias dentro do filme em si. Em uma das irrotuláveis tomadas do filme, estão sentadas à mesa pessoas de cinco paises diferentes: um americano, comandante do Navio (John Malkovich), uma cantora Grega (Irene Papas), uma empresaria francesa (Brigite Bardot), e uma atriz italiana. Em uma metáfora irretocável, curiosamente ninguém à mesa fala a mesma língua, contudo, todos se entendem perfeitamente. À estes personagens se junta a senhorita portuguesa, a qual compreende-os também. É quando recebem a noticia de que há uma bomba à bordo, a qual teria sido plantada por terroristas islâmicos quando da passagem pelo Egito, em Suez. Ao fugirem para os barcos, a pequena garotinha portuguesa agarra sua pequena boneca muçulmana, em trajes típicos (uma espécie de Barbie árabe) e lhe promete cuidar e impedir que qualquer mal à ocorra. Então vêm a tragédia.
Confesso que saí do cinema atordoado, sem eficazmente assimilar todo conteúdo daquela jura de fidelidade da menina, à sua indefesa boneca muçulmana. Em uma cena tão simples, o diretor de 94 anos sintetiza todo mal estar decorrente da falência das tutelas ocidentais sobre os islâmicos em geral, para não dizer com todos os frutos e filhos do colonialismo. Mas após a queima total de estoque das montadoras francesas, pude enxergar esse sentido em tão bem amarrada trama.
É evidente que muitos já falaram que “caluniosamente, parte da imprensa teria ligado a revolta parisiense aos árabes”, enquanto que tantos outros chegaram a chamar o movimento de “Intifada Européia”. Vê-se que não há um consenso. Não quero parecer presunçoso ao dar um palpite, mas me parece que temos elementos de todos os cantos. É possível que estejamos tendo na Europa antes de mais nada uma revolta dos netos dos fluxos migratórios coloniais. Como grande parte das colônias eram árabes, o obvio aconteceu. Duzentos anos depois, a República Francesa não pode mais suportar a ebulição étnica interna, que atingiu sua massa critica. O sistema filosófico-racional e o modelo de governo não foram capazes de cuidar das proles coloniais, justamente por que lá atrás no tempo tratou-as como a menina trata a boneca, e agora já não pode suportar o rojão, relegando-os à uma marginalização inevitável. Mas ou menos como o pai que mima o filho e depois deixa-o sem mesada. Problemas aparecem. À isso creio somar-se um momento de questionamento planetário da eficácia da racionalidade ocidental, já despida de ilusões marxistas. Assim sentimos o mal estar causado pelo filme, sem conseguir deixar de ver o mesmo mal estar à nossa volta. Aos que aceitarem minha indicação, assistam ao filme duas vezes, intercaladas por uma breve leitura do desenrolar dos acontecimentos em Paris e redondezas.

terça-feira, novembro 01, 2005

ME FUZILEM....NAO CREIO NA DEMOCRACIA...

Passados oito dias desde o referendo e baixada a poeira, sinto-me na obrigação de opinar sobre um assunto que veio à tona após essa burrada do governo. Estão querendo generalizar a possibilidade de realização de referendos no Brasil. Dizem que seria uma maneira de colocar o povo em contato mais direto com as decisões tomadas pelos governos, em outras palavras, de tornar a democracia mais participativa e menos representativa. Quem dera fosse assim. Quem leu meu último texto sabe do que eu estou falando. Desta forma, foi em boa hora que o jornal “Folha de São Paulo” publicou no último sábado (29 de outubro) em sua pagina A3 um debate que versava justamente sobre o tema. Quem preferir pode buscar o jornal e lê-lo. O original é sempre melhor. Assim mesmo, deixo neste humilde espaço uma manifestação de apoio ao senhor Denis Lerrer Rosenfield fazendo, contudo, uma ressalva acerca de um ponto.
Não acredito, sinceramente, que tenhamos uma democracia no Brasil. Para que se tenha uma verdadeira democracia é preciso consciência de nação, de pertencimento a um povo. De identificação cultural. No Brasil estamos o tempo todo tentando salvar o próprio pescoço, não há projeto de pais. E quando não há projeto de país, não há democracia. O infame mensalão é a materialização política do “pimenta no %$ dos outros é refresco”.
Mas imaginemos o que aconteceria se resolvêssemos acabar com o Congresso Nacional e votássemos tudo através de referendos. Imaginem a população ribeirinha semi-analfabeta do nordeste votando sobre o pagamento ou não da dívida externa???? Os que não fossem convencidos pelo padre da Igreja do “Padim Ciço” seriam pelo capanga do “coroné”. Eu sei que soa trágico, elitista e arrogante, mas é assim que funciona e quem nega o faz por não querem enxergar...ou por querer endeusar a ignorancia messiânica "a la Lula". Ou seja, ruim com eles, pior sem eles...Estaríamos o tempo todo à mercê da Globo e da Igreja, Universal e Católica...(imaginem um referendo sobre o aborto?????). Democracia de verdade só se faz com educação, com criança 8 horas por dia na escola e com professor que faz concurso (concorridíssimo devido ao salário) pra ser efetivado no cargo. E só vai surtir efeito daqui a dez anos. Até lá, dá-lhe referendo. Depois a gente corre atrás do prejuízo.
Mas, discordo do texto do senhor Rosenfield num ponto. Acho que se em 20 ou 30 anos conseguíssemos realmente parar de fingir que criança brasileira estuda e realmente ensinar a molecada a pensar, não haveria mal algum em fazer uso de uma democracia mais participativa e sem intermediários (mas a gente sabe que educação não da votos imediatos, como um túnel gigante de baixo de uma avenida gigantesca de São Paulo). A comunicação digital criou um mundo de possibilidades que vão desde fóruns de discussão na Internet até a criação de sociedades políticas virtuais. Pessoas com mesmos objetivos sociais e políticos se cruzam em sites de relacionamento tipo Orkut. A discussão política verdadeira surge aí. A Internet é uma ferramenta para as pessoas pensantes (embora seja um aparato de alienação para o ignorante). Se educarmos as pessoas, elas usarão a faca pra cortar comida e não pra enfiar no peito do colega de sala. Obviamente essa democracia que queremos não é a democracia maniqueísta que divido o mundo em preto e branco, bom e mal, capitalista e comunista; mas uma democracia feita por pessoas esclarecidas e que julguem as idéias pela sua capacidade de trazer benefícios às populações e não por contrariarem as vontades de Deus ou da “Revolução que está chegando”.
Engraçado como às vezes eu me acho anti-democrático... Muito obrigado e até breve.