domingo, janeiro 06, 2008

O quê, como e por quê?!?!

Todos já ouviram falar, pelo menos uma vez, que Galileu Galilei foi condenado por provar por A mais B que o planeta Terra não era o centro do Universo e que, na verdade, apenas girava ao redor do sol. Qualquer pessoa com um grau mínimo de instrução acaba, cedo ou tarde, a lançar pesadas críticas à Igreja Católica de Roma, acusando-a de ter perseguido e matado inúmeros pensadores apenas por que estes divulgavam suas idéias e pesquisas, as quais contrariavam dogmas da Igreja e contradiziam a interpretação teológica das Escrituras Sagradas do cristianismo. Muitos já bradaram aos quatro ventos que a “Santa Igreja de Roma” teria sido muito, mas muito mais sanguinária do que os regimes alemão e soviéticos juntos, e que o holocausto seria fichinha perto da voracidade insaciável dos representantes do Papa durante o fim da Idade Média. Mas, afinal, o que isso significa? Qual o contexto histórico que levou a Igreja Católica Apostólica Romana a ser a maior religião institucionalizada do mundo ( a única com um país só seu) e, ao mesmo tempo, ser acusada de ser a maior assassina da história da humanidade? A questão, a contrário do que muitos pensam, chega a ser simples quando analisada através de um enfoque mais direto e menos religioso ou fanático. Em síntese, tudo não passou de uma grande luta pelo encargo de dizer “o que é o quê, como é e porque é”.

É evidente que a frase acima não tem o mérito de ser tão clara quanto se poderia esperar. Contudo, a idéia de uma luta pela prerrogativa de dizer o que é, como é e por que é pode e deve ser vista como o foco central das lutas que foram travadas entre os religiosos e os céticos em toda a história da humanidade e não apenas no ocidente. Afinal o objetivo maior de todas as religiões é a criação de uma explicação de mundo que esteja de acordo com os objetivos do grupo que comanda a estrutura religiosa. Essa regra vale para Judeus, Cristãos e Muçulmanos, bem como para todas as filosofias originárias de ordens morais reveladas. Não se pode jamais dissociar o elemento religiosos do elemento social. A atual separação entre a religião e outras formas de poder que podemos observar no ocidente é relativamente nova. Para muitos de nós (ocidentais, modernos e filhos da cultura pop) imaginar uma pessoa que mata ou morre em nome de um Deus é um absurdo desmesurado. Entretanto, esquecemos que essa é a regra da humanidade e que nossa invenção de liberdade religiosa é a exceção. Até trezentos anos atrás ainda se podia ver resquícios das perseguições religiosas nos países colonizados pela Espanha, até mesmo na América colônia.

Existe um padrão a ser considerado quando se fala em Sistemas Religiosos e a explicação de mundo daí decorrente. A legitimação da Religião se dá em duas frentes. Em primeiro lugar existe um processo de sacralização do povo e da terra (nós somos especiais e nossa terra é sagrada e foi abençoada por nosso Deus ou Deuses). Logo em seguida há um processo contínuo explicação do mundo (por exemplo: o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, por isso está numa posição superior perante os demais animais. Não por outro motivo, como o homem é o ser divino por excelência, a terra deve ser o centro do universo, afinal o universo foi feito por Deus para os homens). Os dois métodos – sacralização e explicação – são contínuos e não tendem a parar até que encontrem uma força que tenha maior legitimação para explicar a realidade, ou força suficiente para destruir todo o séquito religioso.[1]

Quando se tem por objeto de análise a história da Igreja Católica Apostólica Romana de fins de idade média podemos encontrar uma afronta conjuntural aos dois tipos de sistemas. Em primeiro lugar a luta entre o objetivo de sacralização e o desconhecido (nós Sagrados X eles Profanos). Afinal, naquela mesma época tinha início a retomada das rotas comerciais após quase mil anos de um fechamento (idade média) que teve um papel importantíssimo na construção da identidade européia e cristã. Neste momento o europeus passam a ter contato com povos diferentes, mercadores de várias regiões do mundo e se deparavam com uma afronta à idéia de que todos os diferentes são infiéis e que, se não forem convertidos, devem morrer. Por outro lado, o sistema da explicação religiosa do mundo entra em crise e seu grande algoz tem nome e sobrenome: a ciência moderna.

Fica clara a encruzilhada da fé cristã nos séculos XIII, XIV, XV e XVI. Se no início do segundo milênio as Cruzadas organizadas pela igreja de Roma tiveram como objetivo sacralizar os bárbaros pela espada e atingir a Terra Santa (o que reforçou a unidade européia e recriou as rotas comerciais), no período de quatrocentos anos que vai de 1201 a 1600 a Igreja vai bater de frente com um inimigo ainda mais letal e que brota em seu seio. A ciência trazia uma nova explicação de mundo que desafiava a explicação da vontade divina para as coisas. É a ciência que, pouco a pouco, passa a poder dizer “o que é o quê, como é e por quê é”. Não é pouca coisa que a Igreja estava prestes a perder. Afinal, o que seria de uma Igreja que não sacraliza o próprio espaço, nem explica o mundo? O que lhe resta?

Foram necessários alguns séculos, muitas cabeças roladas, e varias fogueiras de gente pra todo esse processo se acalmar. O fim dessa história (se é que realmente já terminou) pode ser visto como a própria revolução francesa, com a declaração da igualdade entre todos os homens e a supremacia da burguesia européia, a qual herdou de certa forma os privilégios e os poderes do clero. Outra conseqüência foi a compensação da perda do poder religioso da Igreja Católica Apostólica Romana pelo ganho de um poder político que trouxe para o mundo secular a Sacralidade do Cristianismo, o que pode ser vislumbrado na existência do Vaticano, Estado Soberano que possibilita à Igreja Católica ter seu sumo pontífice entrando e saindo de palácios de governos mundo a fora sem que a separação Igreja-Estado seja jamais contestada. Contudo, não se busca aqui uma análise do desenrolar do fim da idade média e da época do iluminismo. O que se tem por objetivo é mostrar como o poder de decifrar o mundo e explicar a natureza e as verdades é um ponto central na nossa vida, hoje e em todas as épocas da humanidade. Basta vermos o poder que hoje se encontra nas mãos da ciência moderna, com suas corporações farmacêuticas multibilionárias, à serviço do capital internacional, com lucros maiores que o PIB de muitos países.

Mas essa luta ainda não acabou. Ainda vemos hoje em dia uma luta pra saber que tem a palavra final sobre essa verdade humana. Um exemplo é a luta da mesma Igreja Católica contra os métodos de contracepção e a eutanásia. A própria resposta à pergunta “onde começa a vida” está em jogo. Ainda não se sabe qual será a resposta verdadeiramente verdadeira.



[1] Uma explicação mais detalhada sobre o funcionamento das religiões pode ser encontrado em “O Sagrado e o Profano” de Mircea Eliade.

1 Comments:

Blogger J said...

Não nego a espiritualidade humana, de forma alguma, mas as religiões hoje, concordando com o você afirmou outro dia em uma de nossas conversas, só fazem afastar o humano do seu lado espiritual. Tentando achar o fio da meada, acredito que a luta pelo bastão do poder se subdividiu em setores. “Competição” essa, que tinha a Igreja Católica no podium. Tudo o que era focado e arrebatado pela I.C. foi dividido não só com outras religiões menos institucionalizadas (afinal, nossa visão ocidental e falta de conhecimento oriental nos fazem esquecer que outras já detinham esse poder, mas a cognição trouxe não só a “necessidade da conversão”, como a constatação da impossibilidade desse tipo de ação – quem seria louco de lutar contra os “Índios” ou os povos bárbaros do mais longínquo leste!?), como também pela ciência. Essa que se partiu em várias outras, abrangendo desde universidades até a mídia. E conferiu parcelas desse poder uno e desejado a essas parcelas. Todos os outros poderes de que temos conhecimento têm opinião e modus operandi definidos, mas não necessariamente conhecidos. Assim como as religiões. Para exercer esse controle, disseminam essa opinião à massa. Eu sei, não é determinante, mas em termos econômicos pode significar muito. Pense no seu Zé que foi convencido do aborto pela ultima novela da Globo e sua filha de 13 anos que ficou grávida sem querer. Semana passada, o Padre tinha dito que era um assassinato, não era coisa de Deus. Antes de ontem, o filho do cumpadre Tonho, que é cientista, falou que não tinha problema, afinal só “virava gente” após a terceira semana de gestação. Hoje, depois que passou na novela, nosso cumpadre Zé, finalmente entendeu que não tinha problema mesmo, afinal, tinha até anuncio de clínica de aborto no intervalo! E se a Globo ta passando, não é!? Talvez o objetivo maior objetivo das religiões não seja explicar o mundo de acordo com a “visão da diretoria”. Isso é meio. A forma como a religião foi socializada reflete essa corrida desenfreada pelo poder. Travestir ambições humanas de um ser superior, com todas as características humanas (identificação), exceto a falta de virtude (distanciamento e impossibilidade de comparação), chamá-lo de Deus e elevá-lo (e às suas vontades) à lei também foi meio. Atingimos um grau de evolução onde religiões como conhecemos são dispensáveis, afinal, como foi lembrado por ti, já obtivemos respostas, explicações mais convincentes. Mas elas, as religiões, insistem na existência. E se justificam na existência do poder que detêm. E de fato, pequeno poder, mas ainda possuem, afinal ainda barram processos como legalização de aborto, eutanásia, etc. Qual, na criação das religiões, a real intenção humana? Prefiro pensar que seja um insight pessimista, fully loaded com teorias de conspiração, mas poder chegar onde? “Onde?” Talvez essa seja a questão.

9:55 PM  

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