O homem e a dor
Há uma pergunta que a humanidade, ao longo de suas histórias, sempre acabou por fazer, em (creio) quase todas as civilizações que por este pequeno planeta caminharam. Tal questão, por mais absurda que possa parecer, está cotidianamente inserida em nossas vidas e conosco se relaciona mediante as respostas que recebeu de nossos antepassados. Haveria, afinal, alguma fundamentação moral ou ética para a existência e permanência da dor humana? O ser humano tem realmente o dever racional de buscar uma existência livre das dores (físicas, espirituais e morais) que assolam a condição humana?
Como diletante assumido que sou (não nego e gosto da idéia de sê-lo), minha abordagem do tema é necessariamente menos acadêmica do que de interpretação livre. Ainda assim, desprovido dos rigores necessários, creio que posso dar uma pequena contribuição aos meus companheiros de jornada.
Em primeiro lugar, a afirmação de que a pergunta acerca da dor já foi inúmeras vezes feita, faço eu baseando-me nas religiões e códigos morais que a humanidade criou em seus mais diversos estágios e momentos de evolução e involução. E isso não significa que a resposta foi (nem de longe) a mesma para todos os povos. Sociedades mais coletivizadas veriam a dor moral como de insuportabilidade muito maior do que sociedades que cultuassem o individuo (para quem a dor física seria mais difícil). Do mesmo modo, a dor física foi, para alguns povos, considerada com um ritual de passagem necessário, e a dor moral como sendo necessária para a coesão do grupo. Mesmo a literatura nos trás exemplos muito interessantes de como a questão da dor, vira e mexe, reaparece no cotidiano e no inconsciente coletivo, haja vista o “Selvagem” de “Admirável mundo novo” e tantos outros personagens que, ao se depararem com uma sociedade que buscava à todo custo eliminar a dor, viam esvair-se parte de sua condição de seres humanos mortais.
Feita esta breve digressão, devemos voltar à pergunta. Afinal, haveria alguma razão para a existência da dor na vida humana? Sei que, retirada de seu “habitat natural” da antropologia, tal questão parece anacrônica se feita nos dias atuais. Mas creio que devemos, e logo, fazer uma abordagem do tema, antes que nos analgesigemos de maneira sem volta.
Nunca um grupo humano teve as condições que a humanidade, em sua sociedade ocidental pós-moderna, está prestes a ter de acabar com as dores humanas. Isso porque as físicas se ataca com analgésicos, os quais a cada dia ficam mais e mais avançados. A dor moral perde espaço a cada dia, seja pelo fim próprio da moral em si, quanto pela surgimento de uma sociedade que não é somente hedonista, mas que também vê a dor como um “problema sistêmico”, ou seja, como sendo algo que interfere diretamente na “afinação do sistema”. Uma pessoa com dores (quaisquer) perde “produtividade” e “desengraxa” a máquina. Nossas dores, desde há muito compreendidas como um mal desnecessário, passam a ser vistas também como uma ameaça ao bom funcionamento, não da máquina humana, mas da máquina produtiva universal, geradora de riqueza financeira e, por anti-humana, desconectada da possibilidade benéfica da dor.
Nessa atual obsessão pela “ausência das dores” começamos a ver, justamente com o fim da dor, o fim de seu substituidor imediato: o luto e o grande crescimento que este, inevitavelmente, enseja. Veja-se que todas estas referências, de alguma base psicológica, tem uma relação direta com a condição do ser humano. A dor e a finitude da existência (e a dor que esta finitude causa) podem vir a fazer falta para o ser humano, e a idéia de um mundo livre de dores é tão assustadora quanto a de um mundo totalmente robotizado.
Creio que devêssemos alterar de alguma forma nosso comportamento diante das dores da vida, do corpo e da existência. A ausência de dores jamais será a existência do prazer. A ausência das dores da existência humana mais se assemelha a um estado de letargia, em que, talvez, precisássemos ser avisados por alguém de que estamos vivos. Em um estado em que os prazeres da vida se materializam e vitrines e no qual as dores se diluiriam em mares de pílulas mágicas. Torço, enfim, para que as futuras gerações busquem, não uma ausência de dores, mas de um significado para a existência destas.
No pain, no gain.
4 Comments:
Gostei...mas discordo no seguinte: o fim das "dores morais"........a não ser que a população mundial seja uma massa amorfa, enquanto tivermos diferenças culturais e de indivíduo, o choque de opiniões sempre vai causar alguma dor quando houver uma renúncia ou algum caminho diferente for tomado...o que quero dizer é que sempre vai ter alguém que vai sair perdendo, ou por presenciar, ou por participar.......julgamentos sempre haverão assim como condenação. Alguém vai sempre sair machucado......
Faz tempo que não escrevo. A falta de prática me dificulta na colocação das palavras em suas devidas "prateleiras".....espero que dê pra entender o que eu quis dizer....
Um beijão.....e temos que conversar sobre "O poder do mito"....
Gostei...mas discordo no seguinte: o fim das "dores morais"........a não ser que a população mundial seja uma massa amorfa, enquanto tivermos diferenças culturais e de indivíduo, o choque de opiniões sempre vai causar alguma dor quando houver uma renúncia ou algum caminho diferente for tomado...o que quero dizer é que sempre vai ter alguém que vai sair perdendo, ou por presenciar, ou por participar.......julgamentos sempre haverão assim como condenação. Alguém vai sempre sair machucado......
Faz tempo que não escrevo. A falta de prática me dificulta na colocação das palavras em suas devidas "prateleiras".....espero que dê pra entender o que eu quis dizer....
Um beijão.....e temos que conversar sobre "O poder do mito"....
Discussão boa essa, hein, Thi...
Infelizmente, não é posível haver existência humana sem dor... Essa busca desenfreada por mecânismos que a minimizem, ainda que cada vez mais eficientes, não encontra mais do de meros paleativos temporários, que, passados os seus efeitos, resultam num mal ainda maior...
Considero que um dos segredos do "bom viver" seja buscar uma convivência pacífica com a dor... Não, ela não é necessária para o meu trilhar, mas, ainda que inexplicavelmente, é inevitável! ...
Se existe algo que não consigo vencer (e o extermínio do sofrimento é um deles!), empreender minhas energias lutando contra isso só me debilita e me faz menos apta a enfrentrar aquilo que, de fato, me pode ser proveitoso!
Em Economia,chamamos isso de "custo de oportunidade"...
Já falamos sobre isso...
Mas tenho que discordar de você, Thi... Pois ainda que seja impossível nos dissociarmos da dor, faço parte daqueles que anseiam por uma vida completamente livre de todo e qualquer tipo de sofrimento... E essa não é uma idéia que me assusta, antes, me motiva!
Mesmo que sobrehumanamente, posso conviver com a dor, mas aceitá-la como infinitamente irremediável é estreitar demais o que tenho como "vida em plenitude"!
Eu almejo ansiosamente essa vida livre de todo mal... não só almejo como creio na brevidade da sua concretização!
Por isso não espero que nem nós, nem as próximas gerações tentemos entender a existência da dor, mas que prossigamos apesar de sua existência...
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Mas, Thi, escreva mais, mais... e sempre! Amo as suas idéias (mesmo sem concordar com todas elas...) e amo mais ainda a forma como você as apresenta!!!
Apesar de a Fabiana ter dito muito do que eu pretendia, somo a ela a descrição dos mistérios da mente humana. Ainda não se sabe bem o porquê mas, analisando o mapa sensorial do cérebro humano, foi descoberto que dor (latu sensu) e prazer (não importando a fonte, risos) ativam exatamente a mesma área. E que, provocando somente uma das sensações ao longo da vida, não há um desenvolvimento completo ou ao menos, minimamente normal, tendo em vista o convencionado pelos cientistas. Ora, lançados os dados acima, concordo plenamente em não destituir a função da dor, obviamente resultando em perdas, de referencial absoluta e requisito para o desenvolvimento do humano. Optamos por criar (classificar, como bem entender) as dores com os fins descritos por ti, além de outros explicados por estudos psicológicos, tendo em vista a sensação amarga que as mesmas proporcionam. Nossa cultura ocidental tende a não entender as regras mais simples da vida, alterando-as como bem convém o interesse, justificando com necessidades que vão desde a pessoal aprovação junto aos Portões de São Pedro, até a manutenção do Estado. Amargo, logo ruim. Ruim, logo mau. E o que é o mau, senão algo intrinsecamente ligado ao instinto? E o que é o instinto se não o código de conduta mais antigo, impresso nas tábuas do nosso DNA, onde está detalhado o passo-a-passo para a sobrevivência do homem – apartando aqui, toda a sofisticação e inteligência racional humanas. Creio ser ainda mais interessante se as gerações futuras descobrissem o significado para a existência das dores, utilizando nosso próprio código para chegar ate lá. Tudo foi muito bem catalogado, entre bom e ruim, prazer e dor, evolução e retrocesso, mas não foi descoberta a peça chave para o que poderia ser o pontapé inicial na trilha da descoberta do significado, a mera diferença interpretativa do nosso processador do que é dor.
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